segunda-feira, 8 de março de 2021


 

Mulheres Curandeiras na Era Digital


Fotos: Pixabay

Quem são essas mulheres, que seguem o caminho das ervas e carregam consigo o autoconhecimento e saberes sagrados ancestrais?


     Elas já foram chamadas de bruxas, marginalizadas pela sociedade, excomungadas pela igreja e queimadas na fogueira.  As mulheres que curam possuem muitos nomes; Benzedeiras, curandeiras, parteiras, terapeutas holísticas, feiticeiras, entre outros. Todas elas trazem ensinamentos que foram passados de geração para geração.

     É muito comum em algumas sociedades, que mães e avós, ao perceberem que uma criança está sem ânimo para brincar, comer e se expressar, procurem por uma benzedeira para tirar o mau olhado, conhecido também como quebranto. Geralmente essas mulheres combatem o mau do espírito e da carne através de rezas, gestos e remédios caseiros. Elas têm a solução para tudo.

      Antigamente encontrávamos essas mulheres através de indicações, hoje é muito difícil achar uma benzedeira através da informação boca a boca, mas com a tecnologia ao nosso favor temos uma gama de serviços de curandeiras a nossa disposição na internet. Mulheres que trabalham desde a maneira mais arcaica, até a modernidade tecnológica em prol da cura. O arquétipo de mulheres que se vestiam de maneira simplória e discreta, que balançavam um ramo de erva sobre a cabeça de quem recebia a cura, deu lugar a mulheres modernas e vaidosas que oferecem a mesma cura através de uma vídeo chamada pelo Whatsapp. 

     Com o crescimento do acesso à internet é muito comum encontrarmos mulheres cada vez mais jovens atuando nessa área e utilizando as redes sociais para divulgarem seus trabalhos. A curandeira Tatiana Ochsdorf, de 39 anos, trabalha com o sagrado feminino. Tatiana oferece ajuda espiritual através do tarô, numerologia, banho de limpeza, ervas, benzimentos e aromaterapia para mulheres que precisam.

     A curandeira faz parte do projeto Florescer em Brasília, o grupo é composto por mulheres que acolhem outras mulheres e oferece serviços como terapia, tarô e marketing pessoal, que orienta como administrar as redes sociais de um negócio, montar um bom currículo, além de dicas do que vestir e como se portar em uma entrevista de emprego. O projeto auxilia na recolocação de mulheres no mercado de trabalho e apoia mulheres empreendedoras, algumas delas não possuem condições financeiras de pagar pelos serviços oferecidos pelo projeto, nesse caso é cobrado um valor simbólico ou o atendimento é pago por outras mulheres que possuem melhor condição financeira.

      Muitas dessas mulheres sofreram caso de violência doméstica e psicológica, elas passam por uma triagem e são redirecionadas dentro do próprio projeto para o grupo Gérmen, broto e flor onde por três meses são atendidas individualmente e em grupo, depois são estimuladas a conseguirem uma renda. Em alguns casos, uma oficina é criada para que elas ensinem algo para outras mulheres e o valor arrecadado nessa oficina, é revertido a elas.

 

 "Cresci em uma família que sempre realizou muita simpatia e rezas, que foram passadas de geração para geração".

 

       Tatiana, que no passado trabalhava como professora de educação infantil, conta como deu início nesse meio: “Tenho descendência indígena por parte do meu avô que era um índio pataxó, minha mãe foi criada em religiões de matrizes africanas e eu cresci em uma família que sempre realizou muita simpatia e rezas, que foram passadas de geração para geração". A curandeira conta que por volta dos 14 anos começou a ter intuições e pequenas visões. Foi quando teve contato com uma entidade que a acompanha desde a adolescência: "Eu via essa mulher entrando no meu quarto e mostrando cartas, eu nem sabia o que era tarô, então comprei um baralho comum e comecei a 'jogar' para minhas amigas mais próximas, mas não me sentia a vontade, tinha a impressão de estar invadindo a vida das pessoas”, comenta a curandeira.

     Conforme foi ficando mais velha, Tatiana abandonou o baralho deixando seu dom de lado, mas recentemente entendeu o sentido desse instrumento em sua vida, que passou a ser fundamental para realizar o seu trabalho: “No início da pandemia, minha fé desmoronou, pedi um sinal ao mundo espiritual e três dias depois, em uma viagem, conheci uma moça que me ofereceu um curso de leitura de cartas e eu fiz. Essa moça disse que eu tinha a missão de ajudar outras pessoas, então quando eu voltei para casa comecei a pesquisar sobre magia e afins, fiz um curso de bruxaria natural e montei uma página no instagram bem simplória e aos poucos as pessoas foram chegando. Foi onde conheci a Maitê, que hoje é minha sócia no projeto Florescer, pedi ajuda a ela para melhorar a minha página e ela propôs a parceria para realizar esse trabalho”.

     Tatiana conta um caso marcante, em que uma de suas pacientes que enfrenta a depressão, postou no status do WhatsApp uma mensagem agradecendo a curandeira e se despedindo, avisando então, que iria se suicidar. Apesar do desespero a curandeira conseguiu entrar em contato com parentes dessa mulher através das redes sociais, falou ao telefone com o filho de 11 anos da paciente e orientou que ele procurasse por ajuda na vizinhança, atualmente a mulher está internada e é assistida por profissionais da psiquiatria.

     Quando questionada sobre as redes sociais tirar a beleza genuína das mulheres curandeiras, Tatiana afirma que a essência não se perdeu, que tudo que estiver ao alcance deve ser usado como ferramenta e que a internet a ajuda a estar em vários lugares ao mesmo tempo para realizar o seu trabalho. A curandeira tem duas filhas, Victória de 21 anos e Ana Clara de 15, as filhas também seguem o caminho da mãe e trabalham com a cura de diferentes maneiras, há muita troca de conhecimento entre elas. Isso mostra que a linhagem de curandeiras vai continuar. 

 

 "O meu jeito de ser curandeira é entrando no WhatsApp”.

     Sobre sua missão, Tati declara que sentiu as coisas melhorarem após dedicar sua vida a isso: “Tudo na minha vida estava dando errado porquê eu não estava ajudando pessoas, quando eu passei a ajudar os outros com meu dom, as coisas foram para frente”. A curandeira acredita que esse trabalho nunca vai acabar, ele vai apenas se modificar e aprimorar, de acordo com o tempo e circunstâncias, assim como qualquer outro oficio. “A benzedeira de hoje está se adaptando, o meu jeito de ser curandeira, por exemplo, é entrando no WhatsApp”.

   


Maria Rita Quemello  

Fotos: Pixabay e Tatiana Ochsdorf.